Após quase três meses da eleição do presidente Jair Bolsonaro, o governo caminha para apresentar uma proposta definitiva de reforma da Previdência sem ter ouvido representantes dos trabalhadores.
Enquanto lida com pressões de setores influentes, como militares – que querem ficar de fora da reforma e com forte presença no governo – e servidores públicos, categoria capaz de forte pressão no Congresso, a equipe que elabora os detalhes finais da proposta para endurecer as regras da aposentadoria não abriu as portas para dialogar com as centrais sindicais.
A estratégia diverge da adotada pela gestão de Michel Temer, que organizou uma série de reuniões com representantes dos trabalhadores.
Também nos governos petistas, os sindicalistas participaram das discussões sobre as mudanças no sistema. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva chegou a fazer, em 2007, um Fórum da Previdência, que acabou sem propostas de alteração nas regras.
Nos primeiros dias deste ano, as centrais enviaram uma carta ao presidente para tentar abrir um canal de comunicação, mas continuaram fora da formulação da proposta de reforma.
O documento, assinado pelos presidentes de seis centrais, afirma que o grupo está aberto ao diálogo e traz críticas às propostas liberais da equipe econômica.
“Esperamos que todas as medidas que atinjam os trabalhadores passem por um amplo processo de discussão e negociação”, diz o documento.
De acordo com sindicalistas, a ausência total de diálogo entre governo e trabalhadores é algo inédito nas últimas décadas.
“Nós tivemos essa experiência de sermos ouvidos antes da apresentação formal das propostas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sempre teve esse diálogo antes”, afirmou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves.
A elaboração da proposta de reforma da Previdência esteve no centro das discussões do governo de transição e agora chega à reta final.
A ideia da equipe econômica é que Bolsonaro aproveite o tempo da viagem ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, nesta semana, para repassar todos os pontos do texto e bater o martelo sobre a proposta final de reforma que será enviada no início de fevereiro ao Congresso.
O ministro Paulo Guedes (Economia) vai acompanhar Bolsonaro e deve endossar o discurso de criar uma agenda de reformas profundas, a começar pela Previdência.
Sob o comando de Guedes, o texto é elaborado pela equipe do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Em 2017, durante seu mandato de deputado, Marinho foi relator da reforma trabalhista, proposta duramente criticada pelas centrais sindicais.
Presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah defende que a reforma da Previdência traga idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para homens e 57 para mulheres.
O tópico ainda passa por avaliação do novo governo. O texto em tramitação na Câmara está em 65 (homens) e 62 anos (mulheres).
“Espero que até o fim do mês aconteça essa reunião com o governo. Formalizamos o pedido e até mandamos sugestões em relação à reforma”, afirmou Patah.
O presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), Antonio Neto, afirmou que, apesar de ter se mostrado pouco flexível, o governo Temer chamou todas as centrais para debater o tema.
“Não obtivemos resposta da carta que enviamos a Bolsonaro. Nem mesmo na transição fomos consultados. Estamos abertos a conversar e mostrar as informações que os trabalhadores detêm”, afirmou.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores), que não participou dos encontros promovidos pela equipe de Temer por não reconhecer a legitimidade do governo, agora se mostra disposta ao diálogo.
O presidente da entidade, Vagner Freitas, já se posicionou contra as mudanças na aposentadoria e critica especialmente a criação de um sistema de capitalização.
Lideranças sindicais se reuniram na última semana para formular um plano de ação contra as mudanças na aposentadoria, o que pode incluir mobilização de rua e convocação de greve geral.
Até o dia 20 de fevereiro, quando as centrais farão uma deliberação final sobre o plano de mobilização, sindicatos em todo o país vão se reunir para discutir o tema.
A maior parte das lideranças sindicais, porém, defende que uma greve geral apenas seja convocada depois de esgotadas as tentativas de diálogo e negociação com o governo.
“Não descartamos a possibilidade de convocar greve. Mas o melhor é esperarmos”, disse o presidente da NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores), José Calixto Ramos.
Fonte: Folha de SP.