O negacionismo “legalizado” não pode prevalecer

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Por César Augusto de Mello

A Portaria MTP nº 620, de 1º de novembro de 2021, assinada pelo ministro do Trabalho e Previdência, proíbe a demissão por justa causa de funcionários ou a não admissão motivada por recusa em tomar a vacina contra a Covid-19. A norma foi publicada na segunda-feira (1º/11) no Diário Oficial da União.

Inicialmente há que se analisar o aspecto formal da norma e seu conteúdo, pois traz em seu bojo matéria relacionada com direitos trabalhistas e a Constituição Federal de 1988, em seu art. 22, I, determina que é competência privativa da União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Então somente por meio de um processo legislativo se poderia construir e aprovar uma lei federal nesse sentido.

Com relação às portarias, é preciso esclarecer que sua natureza jurídica é classificada como sendo ato administrativo ordinário, ou seja, ato que tem como finalidade disciplinar o funcionamento da Administração Pública ou a conduta de seus agentes, não podendo ir além disso, ou seja, fazer as vezes de uma lei, e, portanto, legislando, como se verifica no teor da Portaria nº 620.

Vê-se que, nesse caso, a Portaria privilegia o direito individual em detrimento ao direito coletivo à saúde no ambiente do trabalho, que é garantia constitucional, como se verifica da combinação dos artigos 225 e 200, VIII, da Constituição Federal. É contraditório o enunciado da Portaria que informa não ser obrigatória e exigência do comprovante da vacina, mas ao mesmo tempo informa que os empregadores deverão fazer a testagem periódica em seus trabalhadores que comprove a não contaminação pela Covid-19. Não há sentido lógico nesse comportamento, que altera conceitos de forma imprópria e traz insegurança jurídica na relação de trabalho.

É constitucional a obrigatoriedade da vacinação, esse tema já foi decidido pelo STF, em 17/12/2020, que se pronunciou por meio do tema 1103, ARE 1267879, e publicou a tese com repercussão geral no sentido de que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar.

Temos ainda o Código Penal que traz em seu art. Art. 132 a previsão de pena de detenção de três meses a um ano a quem expõe a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.

A gravíssima pandemia atingiu o planeta de forma drástica e foi responsável pela morte de milhões de pessoas, estando o Brasil em segundo lugar nesse ranking nefasto, com mais de 600.000 óbitos em decorrência da Covid-19.

A vacina está cientificamente testada e ameniza os efeitos do vírus, possibilitando um melhor enfrentamento da doença com efeitos menos danosos para os vacinados. Está comprovado que o avanço da vacinação diminuiu consideravelmente os números de internações e mortes. É um contexto que envolve saúde pública de forma coletiva.

Se não há impedimento por determinação médica e se há vacina gratuita e disponível, a negativa individual se tona insustentável, pois destoa dos princípios constitucionais de proteção coletiva à saúde.

Os fumantes não foram proibidos de fumar, tão somente foram proibidos de fumarem em locais fechados onde poderiam causar danos à saúde de terceiros. Os não vacinados podem continuar assim, só não tem o direito de colocar a coletividade do trabalho em risco.

É algo irracional, em nome de uma narrativa infundada de se vacinar (negacionismo) por parte de um trabalhador, que o empregador proceda à testagem com custos a cada três dias para comprovar que determinado empregado não está contaminado, se temos vacinação gratuita. Esse vírus danoso produz o contaminado assintomático, que se torna um agente invisível de contaminação.

Não faz sentido, se autorizar que um motorista de transporte escolar, um auxiliar de enfermagem, um professor, um cuidador em casa de idosos, entre outros, possam não se vacinar sem qualquer justificativa a não ser a ideológica e continuar em contato com terceiros no desenvolvimento de sua atividade. Não estamos falando de uma virose corriqueira, uma gripe, uma alergia, estamos falando de algo que paralisou economias, provocou isolamento social e mais, ceifou milhões de vidas.

Como tantos outros eu defendo ambiente de trabalho saudável e maior proteção nas relações de emprego, mas não haverá emprego e não haverá direitos se não houver VIDA.

César Augusto de Mello,
consultor jurídico da FEQUIMFAR e
advogado especializado em Direito do Trabalho e Sindical

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