Apresentação
Os primeiros dois anos do governo Lula foram marcados por avanços significativos, como a retomada do crescimento econômico, a redução da pobreza e da desigualdade, a menor taxa de desemprego em mais de uma década, a valorização do salário mínimo e a reindustrialização do país com o programa Nova Indústria Brasil (NIB). Ainda assim, as pesquisas de opinião revelam um cenário de insatisfação crescente, apontando inclusive uma desaprovação superior aos índices de aprovação em estados onde Lula venceu em 2022.
Enquanto diversos grupos econômicos tiveram suas demandas atendidas, com destaque ao Novo Arcabouço Fiscal aplaudido pelo mercado financeiro e ao Plano Safra recorde ansiado pelo agronegócio, as pautas dos movimentos sociais que sustentaram a campanha foram, em grande parte, negligenciadas. A ausência de avanços na revisão da reforma trabalhista, na regulamentação do custeio sindical e no fortalecimento da negociação coletiva evidenciam desafios a serem enfrentados. Além disso, questões como a correção da tabela do Imposto de Renda, a redução da jornada de trabalho, a garantia da aplicação da lei de igualdade salarial e o combate à informalidade permanecem como promessas sem respostas concretas.
O governo também precisa definir estratégias eficazes para conter a inflação dos alimentos, lidar com a escalada dos juros – mesmo sob uma presidência do Banco Central indicado pelo governo – e enfrentar a desinformação que impacta a opinião pública, como demonstrado pelo recente episódio das Fake News sobre a “taxação do PIX”. O próximo período exigirá não apenas a continuidade dos avanços conquistados, mas também um compromisso mais claro com as demandas sociais e trabalhistas que deram sustentação ao projeto político eleito em 2022.
Sergio Luiz Leite,
Presidente da FEQUIMFAR
Pontos Positivos
1. Crescimento do PIB
- Expressiva retomada da atividade econômica com crescimento do PIB de 3,2% em 2023 e de 3,4% em 2024. Pela ótica da oferta os setores da “Construção”, “Serviços” e “Indústria de transformação” lideram o crescimento com, respectivamente, 4,3%, 3,7% e 3,8%. Pela ótica da demanda destaca-se o crescimento da “Formação bruta de capital fixo” em 7,3%.
2. Redução da pobreza e da desigualdade
- Em 2023, a taxa de pobreza no Brasil reduziu-se de 31,6% para 27,4%, enquanto a extrema pobreza atingiu seu menor nível desde 2012, alcançando 4,4% da população. Segundo a CEPAL, o país respondeu por 80% da redução da pobreza na América Latina.
- Bolsa Família reformulado: Relançado em 2023, garantiu um benefício mínimo de R$ 600 por família, com adicionais para crianças e adolescentes. Em 2024, alcançou 21 milhões de famílias e transferiu R$ 168,3 bilhões, sendo que mais de 83% dos benefícios foram concedidos a mulheres. Cozinhas Solidárias: Com 2.400 unidades em funcionamento, produziu 14 milhões de refeições em 410 cozinhas. Novo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): Em 2024, foram adquiridas 139 mil toneladas de alimentos de pequenos agricultores, com um investimento de R$ 800 milhões para atender pessoas em situação de vulnerabilidade. Programa Pé de Meia (poupança do ensino médio): Investimento anual de R$ 12,5 bilhões, 3,9 milhões de estudantes beneficiados.
3. Redução recorde da taxa de desemprego
- A taxa de desocupação alcançou 6,2% no trimestre encerrado em dezembro de 2024, mantendo-se estável em relação ao período de julho a setembro (6,4%). Com esse desempenho, a média anual da taxa de desemprego em 2024 foi de 6,6%, representando uma queda de 1,2 ponto percentual em comparação a 2023, quando era de 7,8%.
- O Brasil registrou um saldo positivo de 1.693.673 empregos formais em 2024, representando um crescimento de 16,5% em relação a 2023, quando foram criados 1.454.124 postos de trabalho formal – conforme dados do CAGED-MTE. No acumulado do biênio 2023-2024 foram criados 3.147.797 empregos formais.
4. Retomada da política de valorização do salário mínimo
- Projeto de Lei de Conversão (PLV) 15/2023 retoma a política de valorização do salário mínimo. Reajustes anuais do salário mínimo passaram a considerar inflação medida pelo INPC dos 12 meses anteriores, mais a taxa de crescimento real do PIB do segundo ano anterior ao ano vigente. Desde a retomada, a variação real acumulada do SM (2023-2025) foi de 8,82%.
5. Balanço dos reajustes salariais
- Conforme o Sistema Mediador (MTE), entre 2019 e 2022, apenas 31,9% dos reajustes salariais foram acima do INPC, enquanto 33,6% ficaram abaixo do INPC. Por outro lado, no último biênio de 2023 a 2024, 81,4% dos reajustes salariais estiveram acima do INPC e somente 4,5% abaixo no INPC.
6. Reajuste da tabela do Imposto de Renda
- O teto de isenção, que estava congelado em R$ 1.903,98 desde 2015, subiu em 2023 para R$ 2.640,00 e para R$ 2.824,00 em 2024. A tabela do Imposto de Renda (IRPF) esteve congelada entre 2016 e 2022, corroendo os ganhos salariais das mais diversas categorias profissionais.
7. Controle da inflação
- O INPC em 2021 foi de 10,16% e em 2022 foi de 5,93%. O INPC acumulado nesses dois últimos anos do governo anterior foi de 16,69% e do grupo “Alimentação e Bebidas” foi de 20,54%.
- O INPC em 2023 foi de 3,71% e em 2024 foi de 4,77%, o INPC acumulado nesses dois primeiros anos do governo Lula foi de 8,66% e do grupo “Alimentação e Bebidas” foi de 7,96%.
8. Nova Indústria Brasil (NIB) – Neoindustrialização
- Em 2024, o Brasil avançou 30 posições no ranking mundial de produção industrial, passando do 70º para o 40º lugar entre 116 países (Unido/Iedi). O setor industrial registrou um crescimento de 3,3% no ano (Iedi), enquanto a indústria de transformação avançou 3,6% (Fiesp). A capacidade instalada da indústria atingiu 83%, o maior nível dos últimos 13 anos (CNI). As exportações da indústria de transformação bateram um recorde de US$ 181,9 bilhões, o maior valor desde 1997 (MDIC). Além disso, o Brasil se tornou o segundo principal destino de investimentos estrangeiros diretos no mundo em 2024 (OCDE). Os investimentos em infraestrutura cresceram de R$ 188 bilhões, em 2022, para R$ 260 bilhões em 2024, um aumento de 38% em relação a 2022 (ABDIB).
9. REIQ – Regime Especial da Indústria Química
- Decreto assinado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, restabelece benefício fiscal que favorece a competitividade da indústria química brasileira, além de criar contrapartidas relacionadas ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho e à manutenção do quantitativo de empregados igual ou superior ao verificado em 1º de janeiro de 2022.
- Desde a retomada do REIQ, o MDIC já aprovou 15 projetos, totalizando R$ 713 milhões em investimentos para impulsionar a competitividade do setor. Além disso, outros nove projetos, somando R$ 436 milhões, seguem em fase de análise.
10. Reforma Tributária
- Principais medidas: (1) Foram unificados cinco impostos (PIS, Confins, ICMS, ISS e parcialmente o IPI) em dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A reforma prevê o fim da cumulatividade, a cobrança em cascata, em que o mesmo tributo é cobrado em diversas etapas da cadeia produtiva, tanto sobre os insumos como sobre o produto final. (2) Imposto zero para itens da cesta básica. (3) Simplificação do conjunto de taxas existentes. (4) Redução de impostos para medicamentos. (5) Imposto seletivo com alíquota extra sobre produtos que prejudicam a saúde ou o meio-ambiente. (6) Cashback com 100% de devolução da CBS e de pelo menos 20% do IBS à população de baixa renda sobre: água; botijão de gás, contas de telefone, internet, energia elétrica e esgoto.
Pontos Negativos
1. Reforma Trabalhista e Custeio Sindical
- Reflexões sobre o 1º de maio, por Sergio Luiz Leite: “As demandas dos principais grupos econômicos estão sendo encaminhadas, mas e as reivindicações trabalhistas? A reforma tributária atendeu boa parte dos setores econômicos, o Fundo eleitoral e partidário contemplou os partidos políticos, houveram ainda os recursos para a NIB (Nova Indústria Brasil), para o Novo PAC e o setor da construção civil e infraestrutura urbana, para o Plano Safra e o agronegócio, os recursos do BNDES para o fomento da economia em geral, dentre outras ações. Reiteramos a pergunta anterior, mas e as reivindicações trabalhistas? É importante que o governo coloque em sua agenda o compromisso com propostas que discutam a revisão da reforma trabalhista, que promovam o fortalecimento da negociação coletiva, que regulamente o custeio sindical, que faça valer a aplicação da lei de igualdade salarial (ameaçada de litígio pelas empresas), que corrija a tabela do imposto de renda em todas as suas faixas isentando os salários de até R$ 5 mil, que defenda e recupere o papel fundamental do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), entre outras reivindicações constantes da Pauta da Classe trabalhadora.”
2. Novo Arcabouço Fiscal (NAF)
- Prof. Pedro Rossi (IE/UNICAMP): “Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não havia teto, no governo Lula também não. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu. A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do superávit primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto. O objetivo central da política econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a dívida quando voltar a crescer e, para isso, o gasto público é fundamental. A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da dívida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em quatro anos.”
3. Limitação da valorização do salário mínimo e BPC
- Nova regra estabelece que, entre 2025 e 2030, o aumento real do salário mínimo será limitado a 2,5%. Com isso, o valor deve passar de R$ 1.412 para R$ 1.518 em 2025, representando um aumento de R$ 106, ou 7,5%. Caso o critério anterior fosse mantido, sem o limite de 2,5%, o mínimo chegaria a R$ 1.528, considerando um INPC de 4,84% e o crescimento de 3,2% do PIB de dois anos antes. De acordo com estimativas do Ministério da Fazenda, essa limitação no reajuste poderá gerar uma economia de até R$ 15,3 bilhões nos próximos anos.
- A lei sancionada por Lula (em 28/12/2024) também torna mais rígidas as regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) – um dos principais programas sociais do governo federal. O Ministério da Fazenda estima, “de forma conservadora”, que as novas regras vão levar a uma economia de R$ 2 bilhões por ano.
4. Abono Salarial
- Em 2025, a PEC estabelece que, para ter direito ao benefício, o trabalhador precisará ter recebido dois salários mínimos do ano-base, que será 2023 (equivalente a R$ 2.640). A partir de 2026, o valor para ter acesso ao BPC será corrigido pela inflação. Por outro lado, o salário mínimo terá ganho real (acima da inflação, seguindo as regras do arcabouço fiscal). A regra de transição vai chegar a um ponto em que, para ter acesso ao abono salarial, o trabalhador só poderá ganhar um salário mínimo e meio. Ou seja, o acesso ficará mais restrito. O Ministério da Fazenda projeta economizar R$ 100 milhões em 2025. Nos próximos anos, a economia subirá para R$ 600 milhões, em 2026; e R$ 2 bilhões em 2027.
5. Taxa básica de juros
- O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo (indicado por Lula), afirmou que a taxa básica de juros, a Selic, caminha para um nível “historicamente elevado”. Embora reconheça que esse patamar seja “desconfortável”, ele considera que é necessário para manter a inflação dentro da meta. Em janeiro, o Banco Central elevou a Selic para 13,25% ao ano e indicou que deve aumentá-la para 14,25% em março. A taxa de juros permanece acima de 10% há três anos e, de acordo com projeções do mercado financeiro, pode alcançar 15% ainda em 2025, o maior nível desde 2006.
6. Inflação de alimentos em 2024
- No acumulado de 2024, enquanto o INPC Geral foi de 4,77%, o grupo “Alimentação e Bebidas” registrou alta de 7,60%, com destaque ao subgrupo “Alimentação no domicílio” (8,02%) e aos itens “Carnes” (20,23%), “Óleos e gorduras” (17,07%), “Bebidas e infusões” (14,92%) e “Sal e condimentos” (9,64%).
- Efeito inflacionário de 2024 se deve sobretudo à desvalorização cambial (21,82% em 2024), que impulsiona a exportação de produtos que antes eram ofertados internamente, e a quebra de algumas safras agrícolas causada pela estiagem severa no país. A valorização do câmbio no 1º bimestre de 2025, como reflexo do governo Trump, deve trazer algum alívio para a inflação de alimentos, além de demonstrar que a causa da desvalorização passada não estava centrada no suposto desajuste fiscal anunciado pelo mercado financeiro.
7. Informalidade
- Mesmo com a queda do desemprego, a alta taxa de informalidade e o crescimento do autoemprego precário persistem. A ausência de políticas efetivas de formalização evidencia a precarização das relações de trabalho e a fragilidade na proteção dos trabalhadores desde a Reforma Trabalhista de 2017. O país registrou uma taxa de informalidade de 38,9% no mercado de trabalho no trimestre até outubro de 2024.
8. Comunicação
- Sem um marco regulatório eficaz para exigir maior clareza sobre como as plataformas virtuais amplificam certos conteúdos, o governo encontra obstáculos para conter Fake News que impactam sua popularidade e governabilidade. Um exemplo recente foi a polêmica da suposta “taxação do PIX”, que ganhou grande repercussão nas redes sociais, apesar de ter sido desmentida oficialmente. A ausência de estratégias eficazes para frear a viralização de informações falsas permite que narrativas distorcidas se consolidem rapidamente, fragilizando a comunicação institucional e deixando o governo em posição reativa, tentando desmentir boatos em vez de pautar o debate público com informações precisas.
9. Diálogo Social
- O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), ou “Conselhão”, foi reativado pelo governo Lula, retomando este importante fórum de diálogo entre o governo e diversos setores da sociedade. No entanto, o presidente se distanciou do movimento sindical, tem evitado o diálogo e parece ter criado uma barreira entre ele e os movimentos sociais.