Para resguardar o interesse social presente na causa, a Justiça Federal do Distrito Federal anulou o ato administrativo que concedeu patente sobre o sobre o sofosbuvir, medicamento que cura a hepatite C em mais de 95% dos casos. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) se omitiu, de acordo com a decisão, de tratar deste tema ao aprovar a patente.
“O legislador pátrio impôs um dever maior ao INPI, o dever de ser também o grande guardião (e responsável pela observância) do Princípio da Supremacia do Interesse Público nessa seara da proteção dos direitos de propriedade industrial”, disse o juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, na decisão assinada no domingo (23/9).
A ação foi apresentada pela Rede e questionava decisão da semana passada do Instituto Nacional da Propriedade Indústrial (INPI) que reconheceu a patente da farmacêutica norte-americana Gilead Sciences, impedindo a fabricação do genérico pelo Brasil.
De acordo com o magistrado, com a concessão da patente da droga para a farmacêutica americana Gilead, o INPI contraria manifestação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e poderia inviabilizar o cumprimento da meta assumida pelo Brasil de erradicar a doença até 2030.
Ao INPI, o CNS disse que considerasse como “relevantes os subsídios ao exame de patente apresentados por instituições públicas, representações da sociedade civil e por entes do setor produtivo privado nacional e, em assim fazendo, não conceda a patente pretendida do medicamento Sofosbuvir, visto que no momento já estão sendo realizados, em Farmanguinhos/Fiocruz, estudos de equivalência farmacêutica e de bioequivalência do medicamento”.
Spanholo afirma que compete ao INPI zelar por essa parcela da soberania nacional, avaliando se a patente almejada atende ao interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, negando-a sempre que for contrária à ordem e à saúde pública.
“Não precisa grande esforço para perceber que a parecerista, mesmo instada, simplesmente optou por não enfrentar o argumento de que a concessão da patente do Sofosbuvir não atenderia mais ao interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico de um dos mais emblemáticos programas de saúde pública do País. Note-se que, para se eximir da sua tarefa constitucional, o INPI apenas invocou a suposta falta de competência para enfrentar a tese de que a patente examinada colocaria em risco a saúde pública, assim como para avaliar se ela atingiria ou não o interesse econômico do Brasil, diante dos preços (notoriamente) escorchantes praticados pela fabricante do Sofosbuvir perante o SUS”, apontou o juiz.
Rolando Spanholo respondeu ainda ao argumento do INPI de que o preço elevado estabelecido para o medicamento no mercado não poderia ser critério para concessão ou não da patente, sendo a verificação de casos de abuso de monopólio por meio de preços exorbitantes e práticas anticompetitivas feita por entidades outras que não o INPI.
“É óbvio que os sistemas de controle devem se complementar, e não se autoexcluir. De fato, não se desconhece que compete ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) zelar pela prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Todavia, o raio de ação dessa outra autarquia (CADE) tem como foco central a atuação do particular, isto é, a forma como ele age no campo concorrencial (por exemplo, evitando o domínio ilegal do mercado, a partir de ações violadoras da boa prática concorrencial)”, disse, defendendo que o CADE age de maneira tipicamente repressiva, sendo o INPI anterior.
Além de contrariar recomendação do CNS, a concessão poderia, de acordo com a decisão, inviabilizar o cumprimento da meta assumida pelo Brasil de erradicar a Hepatite C até o ano de 2030, agravar em quase R$ 1 bilhão a realidade dos cofres públicos, já que, “graças a patente concedida, não será possível produzir e/ou importar qualquer fármaco genérico que contenha as mesmas características do Sovaldi, tornando nosso Sistema Público de Saúde refém de um único fornecedor – que, por já deter a exclusividade do mercado, atualmente, exige quase mil dólares americanos para cada pílula do seu medicamento, quando o genérico em vias de entrar no mercado teria um custo inferior a ¼ desse valor”.
Colocaria, também, em risco a vida de aproximadamente 700 mil pessoas que, segundo estimativa do Boletim Epidemiológico Hepatites Virais 2018, elaborado pelo Ministério da Saúde, estariam atualmente infectados e que não teriam condições financeiras de buscar um tratamento eficaz sem a intervenção do SUS, diante do elevado custo do tratamento com o fármaco Sofosbuvir.
Fonte: Consultor Jurídico (por Ana Pompeu)