Em 05 de outubro de 2018 nossa Constituição Federal completa 30 anos, o que nos coloca uma necessária reflexão sobre os avanços e os retrocessos vividos, bem como os desafios que se apresentam para o futuro. A chamada Constituição Cidadã se consolidou como o marco histórico da redemocratização, representando o auge da unidade de diversos movimentos sociais e da participação popular na superação das duas décadas de ditadura militar impostas ao povo brasileiro. O Estado democrático de direito foi finalmente consagrado pelas “cláusulas pétreas”, que definiram a imutabilidade da forma federativa de Estado, o voto (secreto, universal e periódico), a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.
Por outro lado, ainda que internacionalmente reconhecido o caráter “evoluído” da Constituição brasileira, a ausência de efetividade da “letra da lei” nos lançou no vazio do meramente programático e idealizado. A distância entre o real e o ideal é tamanha que por vezes nossa Constituição foi convenientemente propagandeada como uma carta de intenções, palavras escritas que não poderiam ser efetivamente cumpridas. Outras vezes, a Carta Magna foi simplesmente ignorada ou remendada para atender aos interesses empresariais e financeiros, vide as diversas Emendas Constitucionais que dificultaram o acesso dos trabalhadores à Previdência Social.
Além das conquistas de direitos e garantias fundamentais, que caracterizam o aspecto cidadão da Constituição de 1988, a ativa participação popular elevou ao texto constitucional os direitos sociais, tais como, a seguridade social de caráter universal, composta por previdência, saúde e assistência social, assim como os patamares mínimos de direitos dos trabalhadores, a liberdade sindical e o direito de greve. Tal ascensão constitucional dos direitos sociais impôs a necessidade de respeito a algumas das conquistas históricas da classe trabalhadora, mesmo por aqueles que pretendem deliberadamente destruir a Consolidação das Leis do Trabalho.
Ainda assim, sob a justificativa da geração de empregos e de modernização das relações de trabalho, o Congresso Nacional aprovou em tempo recorde (pouco mais de dois meses) uma Reforma Trabalhista que provocou mais de uma centena de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho, dentre elas diversas afrontas ao texto constitucional. Veja, por exemplo, a necessidade de comprovação da insuficiência de recursos para que o trabalhador seja contemplado com o benefício da justiça gratuita! Ora, nem mesmo o Código de Processo Civil exige tal comprovação, pois ela representa uma clara ameaça ao princípio constitucional de acesso à justiça.
A Constituição estabelece aos sindicatos a representação de todos os trabalhadores de suas respectivas categorias, e, para tanto, determina também uma fonte de custeio capaz de manter o sistema confederativo estruturado na unicidade sindical. Contudo, em outro ataque da Reforma Trabalhista, ratificado pelo Poder Judiciário, houve um desvirtuamento do sistema de custeio sindical. Como poderemos buscar um fortalecimento da negociação coletiva com o aprofundamento do desequilíbrio existente entre as entidades de representação do capital e do trabalho?
Em diversos temas a Constituição assume o tom de princípios orientadores, requerendo ela mesma a regulamentação em leis infraconstitucionais para que alcancemos a pretendida efetividade. No que se refere à estrutura tributária, por exemplo, traz o texto constitucional em seu artigo 153: “Compete à União instituir impostos sobre: VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Infelizmente a referida lei complementar regulamentadora nunca existiu. Além da taxação das grandes fortunas, a agenda das Centrais Sindicais explicita também a necessidade de regulamentação das medidas de proteção aos avanços tecnológicos, para que as desejáveis inovações não signifiquem tão somente lucro aos empresários e desemprego aos trabalhadores.
E agora? Como será a vida da Constituição nos próximos trinta anos? A luta dos trabalhadores deverá ser ampliada para enfrentar os enormes retrocessos recentes. A população brasileira encontra-se carente de emprego, saúde, segurança, educação, habitação, transporte… Direitos básicos dos quais precisamos para que a Constituição Federal possa ser considerada minimamente Cidadã. A realização destas premissas constitucionais terá de ser acompanhada ainda pela Reforma Política e pela Reforma Tributária, com taxação das grandes fortunas.
Especialmente diante da atual conjuntura política que vivemos, nossa Lei Maior deve ser reivindicada enquanto pacto social legítimo, resgatando aquela mencionada unidade de ação lembrada na introdução, visando uma pacificação social contrária a todo autoritarismo ditatorial. Somente com amplo apoio popular a Constituição Cidadã será capaz de nortear a ação do Estado no objetivo de preservação dos direitos nela expressos, bem como a realização daqueles direitos que foram estabelecidos no propósito de uma sociedade livre, justa, igualitária e democrática.
Sergio Luiz Leite, Serginho
Presidente da FEQUIMFAR e
1º secretário da Força Sindical