Pandemia é grave, mas o racismo segue derrubando corpos negros há 500 anos no Brasil e o Estado pouco se importa

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A pandemia do Novo Coronavírus já matou mais de 30 mil pessoas no Brasil. E o povo preto segue sendo assassinado pelo Estado diariamente, seja pelas políticas genocidas disfarçadas de Segurança Pública, seja pela negação de direitos às populações mais vulnerabilizadas

Vidas Negras importam, mas a bestialidade do racismo, do preconceito que estrutura a sociedade brasileira, acha que não. A sociedade racista acha que nossos corpos são “matáveis”,  que cada vida negra ceifada encontrou seu caminho natural. A morte do povo preto não gera comoção nacional, talvez uma ou outra nota de repúdio, um “meus sentimentos”; um “que absurdo”; “que falta de humanidade”. A pandemia do Novo Coronavírus já matou mais de 30 mil pessoas no Brasil. E o povo preto segue sendo assassinado pelo Estado diariamente, seja pelas políticas genocidas disfarçadas de Segurança Pública, seja pela negação de direitos às populações mais vulnerabilizadas. Morremos de Covid-19 e das balas da polícia.

Estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da PUC-Rio revelou que 71,31% de pessoas pretas e pardas, com baixa escolaridade, chegam a óbito;  enquanto o óbito de pessoas com nível superior é de 22%. Segundo a pesquisa,  esse fenômeno é decorrente da desigualdade social que as populações preta e parda estão submetidas, dificultando  o acesso às políticas públicas. No caso do acesso à Saúde, negros e negras, por vários fatores, só procuram a assistência quando já estão com os sintomas agravados. Os pesquisadores associam a falta de escolaridade como um dos fatores que retardam a busca por assistência médica.

Os Mapas da Violência, anualmente, mostram números alarmantes da morte de jovens pretos periféricos, além de termos uma das polícias mais violentas e assassinas do mundo. Após a morte do garoto João Pedro, 14, no Rio de Janeiro, após a morte do ativista George Floyd, nos Estados Unidos, vemos uma revolução preta se aproximar. Violência e racismo são questões urgentes de Saúde Pública, que devastam nosso emocional e nosso físico por toda a vida.

No Brasil, durante o último final de semana, assistimos à branquitude defendendo o fascismo, legitimada pelo Estado, pela polícia, com alusões criminosas e abertas até mesmo à Klu Klux Kan, que matou milhares de negros e negras de 1920 até aqui. Não dá pra falar em Direitos Humanos se todos não contestarem os privilégios. A luta contra o racismo deve ser base perene de qualquer outra luta. O racismo estruturou nosso país. Se não rompermos essa estrutura, estaremos sempre empurrando a poeira para debaixo do tapete. Logo mais, outro João Pedro, Ágatha, Marielle, Cláudia, Amarildo e tantos outros vão morrer.

Em meio à pandemia, em luta por leitos, respiradores, protocolos mais rígidos no uso de medicamentos, a população negra continua padecendo nas favelas, nas comunidades periféricas do Brasil. O coronavírus é só mais um inimigo que se soma aos inúmeros inimigos que matam todos os dias jovens, mulheres, idosos negros e negras nesse país governados por pessoas brancas, em todas as esferas, inclusive na Saúde.

Fala-se dos efeitos da pandemia na saúde mental da população. De que população estão falando? Das que alimentam as filas das lotéricas e da Caixa Econômica em busca do auxílio emergencial? Das que buscam auxílio por cestas básicas, vale-gás, sopa, agasalhos? Das que sabem que serão mortas por falta de ar, na rua, nas favelas, sem acesso à assistência, tornando-se subnotificação? Das que são invisíveis para a sociedade racista, desumana? Das que têm suas vozes silenciadas? De que pessoas a branquitude está falando?

Só no último mês soubemos de dois jovens negros, sem crime algum, assassinados pelo Estado, no Rio de Janeiro. Famílias e comunidades seguem sendo dizimadas, expostas à Covid-19 e às balas da polícia, tendo seu isolamento social negado porque o povo preto não pode parar de trabalhar na rua para se dar ao privilégio de ficar em casa.

A cloroquina pode matar se usada sem respaldo médico e científico, mas muitos de nós já estamos mortos e mortas pelo racismo, pela falta de solidariedade, pela falta de acolhimento de nossas dores. O Brasil segue em defesa das vidas brancas? Todas as vidas pretas importam. Parem de nos matar!  Não somos bobos,  mesmo com decretos de fila única para leitos, sabemos que nossos corpos ainda tombarão na porta das unidades de Saúde, porque vidas pretas não importam numa sociedade racista, seja em tempos de pandemia ou não. Mas a chama que arde em nossos peitos não será apagada, seguiremos com nosso ímpeto revolucionário, pregando a transformação social. A luta antirracista é dever não só do Conselho Nacional de Saúde (CNS), mas de todos e todas.

Por Altamira Simões
Psicóloga, conselheira nacional de saúde, representante da Rede Lai Lai Apejo e coordenadora da Comissão Intersetorial de Políticas de Promoção da Equidade (Cippe) do CNS

Fonte: Brasil 247.

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