Redução de ICMS dos combustíveis: uma medida eleitoreira e ineficaz

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Sergio Luiz Leite, Serginho

Pelo menos 21 governos estaduais e o Distrito Federal já decidiram reduzir o ICMS dos combustíveis mesmo após o veto presidencial dos mecanismos de compensação da Lei Complementar 194/2022. Na prática, todo impacto fiscal causado pela redução do ICMS dos combustíveis terá de ser suportado pelo orçamento dos estados sem qualquer auxílio da União. De todo modo, a medida é um tiro no escuro com enorme potencial de fragilização das políticas públicas, pois mesmo que a redução do ICMS impacte momentaneamente no preço final dos combustíveis, a diminuição não chegará próxima de compensar a alta acumulada ao longo do próprio governo Bolsonaro.

Nas estimativas mais otimistas do Governo Federal, a redução do ICMS traria uma diminuição de R$ 2,00 no preço final do litro da gasolina e de R$ 1,00 no litro do diesel. Porém, em janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência, o preço da gasolina no Brasil era em média R$ 4,27, tendo alcançado o valor de R$ 7,25 em junho de 2022. O preço da gasolina saltou 69,8%, enquanto a redução agora proposta para o ICMS reduziria o preço em 27,6% no cenário mais otimista. O caso do óleo diesel se mostra ainda mais grave, pois o preço do combustível aumentou 96% no período considerado (de R$ 3,54 para R$ 6,94 na média nacional), enquanto a redução do ICMS poderia – na melhor das hipóteses – diminuir provisoriamente em 14,4% o valor final de venda.

Ainda assim, o elemento mais enganoso da proposta de redução do ICMS consiste na ilusão de que esta medida de fato diminuirá o preço final dos combustíveis. Isto porque desde 2016 os preços internos dos combustíveis derivados do petróleo passaram a ser determinados pela nova política de Preço de Paridade Internacional (PPI) da Petrobras. Caso o preço do barril de petróleo no mercado internacional aumente – por qualquer razão que seja, a exemplo, da pandemia, da guerra na Ucrânia, do aumento da demanda chinesa, dentre outras – todos os preços internos do Brasil serão elevados. A economia brasileira se tornou refém de qualquer acaso posto no mundo, ainda que de modo contraditória o país seja autossuficiente na produção de petróleo e um importante exportador mundial de petróleo cru. Este cenário nos obriga a examinar por um momento o que está acontecendo com a Petrobras, bem como o seu papel para o desenvolvimento brasileiro e para a soberania nacional.

O parque de refino petrolífero brasileiro foi construído entre 1950 e 1970, seguido por um período de carência de aplicação de recursos e retomada dos investimentos entre 2005 e 2014. Apesar de o Brasil ser um dos grandes produtores e exportadores de petróleo cru do mundo, temos uma baixa capacidade de refino e, portanto, uma dependência de importação de combustíveis fósseis (Brasil é o 8º maior consumidor de derivados do petróleo no mundo). A descoberta do Pré-sal “salvou” a produção brasileira – alcançando hoje 70% do total produzido – pois do contrário estaríamos importando não apenas derivados, mas também petróleo cru.

Entre 2003 e 2015 houve um aumento da produção de petróleo cru, com queda no custo de extração, adaptação das refinarias existentes e construção de novas refinarias. A estratégia do governo, expressa no plano de negócios da empresa, consistia em aumentar a produção de derivados para diminuir a importação e o preço interno, ampliando a soberania nacional a partir de planejamento e controle nacional. Até 2016 a estratégia da empresa era de obter lucro para investir em refinarias e pagar dividendos, hoje todo o lucro possível é destinado ao pagamento de dividendos aos acionistas. A Petrobras se tornou uma nova bomba de concentração da renda, vendendo combustível nos postos brasileiros a preços internacionais elevadíssimos, obtendo lucros gigantescos (sem investir em capacidade produtiva de refino – vide o “Plano de Desinvestimento” em vigor) e destinando-os integralmente aos acionistas, especuladores e rentistas financeiros de toda espécie.

Em 2020, no primeiro ano da pandemia de coronavírus, a Petrobras foi uma das poucas petroleiras do mundo que obteve lucro. Contudo, o lucro da empresa foi menor que os dividendos pagos, ou seja, foram utilizadas reservas antigas para favorecer os acionistas. Em 2021 o absurdo foi ainda maior, pois além de ser favorecida com os altos preços de exportação do petróleo cru e do inflacionado consumo interno de derivados, a companhia vendeu refinarias, empresas subsidiárias e campos de petróleo para garantir um pagamento de dividendos ainda maior aos acionistas. A resposta do Governo Federal tem sido “empurrar” a culpa para os estados, atacando os impostos estaduais. Entretanto, não houve qualquer alteração no peso dos impostos na última década, o impacto do ICMS sobre o preço dos combustíveis em 2010 é o mesmo que o verificado em 2022, pois este acompanha o preço em termos percentuais.

A redução de impostos não resolve o problema, além de fragilizar as políticas públicas e o orçamento de estados e municípios, diminuindo a arrecadação e o gasto em setores prioritários à vida da população, tais como saúde, educação, segurança, mobilidade, infraestrutura, moradia, dentre outros. Trata-se de uma medida explicitamente eleitoreira e potencialmente ineficaz. O consumo de combustíveis fósseis deveria ser discutido estrategicamente no contexto de transição para uma matriz energética cada vez mais limpa, tal como se tem avançado na Europa, mas aqui estamos caminhando no sentido contrário. Precisamos desmascarar publicamente a política de saque e sujeição da Petrobras aos interesses do capital financeiro internacional, combatendo sua atual política de preços que prioriza o pagamento de dividendos aos acionistas às custas da população brasileira.

Sergio Luiz Leite, Serginho
Presidente da FEQUIMFAR e
Vice-presidente da Força Sindical

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