Revista Época de 30/4/2021 cita os Químicos

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COLUNA | BIDEN E O TRABALHO DO FUTURO
A pandemia acelera a digitalização dos empregos e do consumo, escancarando desigualdades e forçando um debate urgente para o Brasil

A modernização dos sindicatos está na ordem do dia. Não no Brasil, onde deveria ser uma prioridade, mas nos Estados Unidos. Uma das bandeiras mais importantes da campanha vitoriosa de Joe Biden era a busca por aumento da sindicalização no país: “sindicatos fortes construíram a classe média americana”, dizia ele. Tal como a vacinação em massa e a recuperação da boa administração pública, Biden está cumprindo também essa promessa.

Nesta semana, o presidente americano assinou um decreto criando um grupo de tarefas com objetivos claros: encontrar formas legais para facilitar a sindicalização de funcionários, além de modernizar as organizações já existentes.
O grupo tem 180 dias para fazer um diagnóstico claro do mercado de trabalho americano, setor por setor, e a partir deste raio x, mobilizar políticas públicas na área. Quem liderará as reuniões para verificar se as metas são corretamente perseguidas? Ninguém menos que a vice-presidente do país, Kamala Harris.

Todo esse esforço, político e prático, parte de robusta análise crítica do estado de coisas na economia americana. Desde os anos 1970 houve um profundo e contínuo desmonte tanto dos sindicatos quanto do ato de negociações coletivas por aprimoramento das condições de trabalho. Parte daquele movimento foi salutar, dadas as evidentes distorções que alguns sindicatos, corrompidos ou agigantados, provocavam em seus setores, com consequências danosas para a estrutura de preços.

Mas não estamos mais em 1981 (ainda bem). Sindicatos, quando modernos e dispostos a negociação franca, são importantes instrumentos para equilibrar o conflito distributivo que sempre há na sociedade.

A pandemia acelera a revolução tecnológica e, com ela, a disparidade entre ricos (com acesso a bons computadores e conectividade) e pobres. Milhões de pessoas continuarão em casa, trabalhando de suas residências mesmo quando todos estivermos vacinados. O e-commerce é cada vez mais comum e ramificado. Mesmo os trabalhadores em fábricas e em bancos, os locais onde os sindicatos mais fortes surgiram, convivem com um nível muito sofisticado de apoio tecnológico.

O mercado de trabalho mudou radicalmente. Os sindicatos não acompanharam. Parece claro para Biden e Harris que o caminho do meio é a saída correta. Não se trata de ver evaporar os sindicatos que restam e aceitar o “cada um por si”. Isso não funciona: tende a aguçar a crescente desigualdade de renda, aumentando consequentemente o ressentimento político e a volatilidade eleitoral.

É justamente para evitar a radicalização e o populismo que uma modernização sindical se faz necessária. Há lições muito importantes a tirar disso quando pensamos no Brasil do presente.

O 1º de maio de 2021, dia do trabalhador, ocorre em um momento dramático. São 400 mil pessoas mortas por Covid-19 em apenas 14 meses. A vacinação é lenta: foi flagrantemente sabotada por Bolsonaro, que também atua contra os lockdowns e até contra o uso de máscaras. Há 15 milhões de pessoas desempregadas.

Tão logo seja possível, o país precisa encarar o urgente debate sobre o mercado de trabalho. São vários temas. O especialista Clemente Ganz Lúcio, que dirigiu o Dieese, tem liderado debates sobre novas formas de organização, dado que em muitas categorias não há mais um local de trabalho propriamente dito.

Mulheres que desempenham as mesmas funções que homens devem receber o mesmo salário: mesma função, mesmo salário. Isso também deve fazer parte da ação sindical do presente.

Outro assunto relevante é a negociação direta, frequente, entre sindicalistas e o setor de RH das empresas (públicas ou privadas). O novo presidente da CUT, Sérgio Nobre, já se destacara dez anos atrás quando, à frente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, desenvolvera um importante projeto de extensão nacional da experiência dos comitês sindicais por empresa, que agilizavam e modernizavam as negociações entre gestores e funcionários.

Debates sobre o financiamento dos sindicatos precisam ser retomados. O velho imposto sindical foi superado pela reforma trabalhista de 2017, mas isso não quer dizer que sindicatos com atuação reconhecida por seus representados não possam ser financiados pela categoria.

Discussões tripartites (governo, empresários e sindicalistas) são importantes instrumentos para definição de marcos gerais e para acompanhamento. Há bons exemplos em países reconhecidamente produtivos (como na Alemanha). Alguns dirigentes brasileiros também defendem a institucionalização de negociações. Cito alguns: o químico Sérgio Luiz Leite, os metalúrgicos Juruna e Miguel Torres, o metroviário Wagner Gomes.

Iniciativas como o mutirão do emprego, promovido ano passado pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo, presidido por Ricardo Patah, escancaram outra faceta urgente dentro deste tema: foram levantados 300 mil currículos para as 18 mil vagas oferecidas, mas nem todas foram preenchidas. A qualificação é baixa no país.

Veja, leitora e leitor, os temas que estão no ar: novas formas de organização coletiva (à luz do home office, do e-commerce e das novas tecnologias); um financiamento estável, por mérito, aos sindicatos verdadeiros e modernos; negociações tripartites perenes; avanço da qualificação profissional, associado ao Novo Ensino Médio.

Tão logo o retrocesso bolsonarista passar, debates sobre o mundo do trabalho precisarão ganhar a sociedade brasileira, sob o risco de ficarmos ainda mais para trás.

*João Villaverde é jornalista e consultor. Autor do livro-reportagem “Perigosas Pedaladas”, sobre o impeachment. Foi pesquisador visitante na Universidade de Columbia (Nova York). É doutorando em Administração Pública e Governo pela FGV-SP.

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