E a saúde, vale quanto?

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O SUS completa 30 anos no próximo dia 5. Maior sistema de saúde do mundo, sofre com falta de recursos. Em ano eleitoral, vale a pergunta: quanto queremos investir em saúde pública?

Parece coisa antiga, mas aconteceu pouquíssimo tempo atrás: há 30 anos, o Brasil promulgou uma nova Constituição e, de quebra, criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Nos termos da Carta, saúde passou a ser direito de todos os cidadãos, a ser garantido por meio da implementação de políticas públicas adequadas. Foi um avanço tremendo – a medida pôs o país naquela lista privilegiada de nações que contam com sistemas universais de saúde. Nações desenvolvidas como Reino Unido, Alemanha e Canadá. Até ali, saúde no Brasil era para poucos. Cuidados gratuitos eram privilégio de quem tivesse emprego e contribuísse com a Previdência Social. Consultas e tratamentos eram oferecidos nos hospitais mantidos pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (o embrião do INSS). Se desempregado, o cidadão que pagasse pelos cuidados recebidos. Se fosse trabalhador autônomo, também.

Desde então, o SUS assumiu uma infinidade de atribuições: dos programas de vacinação a procedimentos mais complexos. Hoje, mais de 90% dos transplantes de órgãos realizados no Brasil são feitos pelo sistema público. Associado a outras políticas sociais, o SUS garantiu que avançássemos em indicadores importantes, como a mortalidade infantil – que caiu. Hoje, ocupa o orgulhoso posto de maior sistema de saúde do mundo. Nenhum outro trata tantos pacientes, mas é um desafio que exige recursos. O SUS faz aniversário no próximo dia 5. Em ano de eleições, é urgente a pergunta: quanto o país está disposto a pagar por tudo isso?

Até agora, investimos pouco. Um levantamento feito pelo professor Francisco Fúncia, da Fundação Getulio Vargas, constatou que, historicamente, as três esferas de governo brasileiras investiram em saúde, juntas, o equivalente a 4% do PIB em média por ano. Em números mais palatáveis, isso significa dizer que o SUS dispõe de pouco mais de R$ 3,00 por dia para cuidar da saúde de cada cidadão.

É bem menos que outros países com sistemas universais semelhantes : no Reino Unido, por exemplo, o investimento público em saúde gira em torno de 8% do PIB, segundo dados do Banco Mundial. Na Alemanha, fica por volta de 9%.

Para piorar esse quadro, há agravantes: desde que o SUS foi criado, a população brasileira aumentou e envelheceu. Mas a participação do governo federal no financiamento da saúde diminuiu. Se em 1991 a União respondia por 73% do financiamento do Sistema, em 2014 foi responsável por 43%. Neste ano, estima-se que os recursos federais devem ser equivalentes a 42% do que será alocado no SUS. Esse sumiço da União preocupa: o governo federal é o maior arrecadador de impostos do país. Se ele se ausenta, sobrecarrega os municípios, que estão na linha de frente dos cuidados em saúde. Hoje, depois de três décadas de avanço, o Brasil flerta com o retrocesso. A mortalidade infantil, que caiu por anos, tornou a crescer. Caem os índices de cobertura vacinal.

Há sempre quem diga que existe espaço para melhorar a gestão (e há mesmo) e fazer mais com menos. Mesmo assim, é bem aceita, entre especialistas em saúde pública, a noção de que o SUS sofre de subfinanciamento crônico. É uma verdade que transcende diferenças ideológicas : “Precisamos aceitar que o SUS é subfinaciado e que vai precisar de novos recursos federais”, me disse, meses atrás, o professor David Uip. Ex-secretário de saúde de São Paulo, Uip foi um dos responsáveis pelas propostas de Geraldo Alckmin para o setor durante a atual corrida eleitoral.

“Desde que foi criado, o SUS jamais recebeu financiamento adequado”, me contou, anos atrás, o ex-ministro da saúde Arthur Chioro – hoje um dos responsáveis pelas propostas de Fernando Haddad para o setor.

A questão está no radar dos candidatos à Presidência. Segundo matéria do jornal O Globo, que procurou as campanhas dos principais concorrentes ao planalto, todos manifestaram essa preocupação. A exceção foi Jair Bolsonaro, para o qual, segundo expresso em seu plano de governo, há dinheiro suficiente no sistema. Na opinião dos demais, é preciso ampliar investimentos.

De onde virá esse recurso é coisa ainda nebulosa. Sobretudo em tempos de crise. Ao ser concebido, em finais da década de 80, o SUS tinha uma fonte de receitas bem definida. O combinado era que fosse abastecido com 30% do orçamento da Seguridade Social (formado pela soma de contribuições do PIS, Programa de Integração Social, e o Pasep, Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público). Mas esse percentual nunca foi aplicado.

Naquela mesma conversa que tivemos meses atrás, Uip me disse que os recursos adicionais surgiriam à medida que o ministro da Saúde e o presidente eleito brigassem por um orçamento maior para a área. Parece ser essa a solução para a qual aponta também a maioria dos demais candidatos. Sem fonte de receita previamente acordada, o SUS entra na briga por uma fatia maior do orçamento. Para esse jogo terminar bem, vai ser preciso pressão popular. É necessário que a população cobre do governante e busque definir: afinal, quanto queremos investir em saúde pública no Brasil ? Mais que R$ 3,00 por dia, espero.

Rafael Ciscati é repórter de Época e o Globo, escreve sobre políticas públicas para a saúde.

Fonte: Revista Época.

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