Por César Augusto de Mello
Os conflitos trabalhistas sob a ótica do direito podem ser individuais ou coletivos. Nas duas situações, quando as partes não chegam a um entendimento, recorre-se a denominada heterocomposição, ou seja, o caminho a ser trilhado para a solução do conflito é o da Justiça do Trabalho, com o trâmite das demandas judiciais nas Varas, nos Tribunais Regionais ou no Tribunal Superior do Trabalho, e se a matéria for constitucional pode chegar até o Supremo Tribunal Federal.
O art. 9º da Constituição Federal de 1988 assegurou o direito de greve aos trabalhadores brasileiros e a Lei nº 7.783/89 veio regulamentar esse direito. Esse movimento normalmente se origina de uma pretensão econômica resistida, e, na condição de verdadeira autodefesa, há que ser a última, a derradeira alternativa objetivando a solução para um impasse coletivo de trabalho. É uma exceção e não regra, pela qual, diante do travamento injustificado de uma negociação coletiva os trabalhadores cruzam os braços, muitas vezes a contragosto, pois um movimento paredista pode ter consequências desastrosas para os envolvidos. Greve é tensão, é incerteza, é paralisação da atividade produtiva e alteração de ânimos criando uma situação densa e desconfortável, que por vezes se torna caso de polícia, por isso considerada a última opção a ser enfrentada. Não são poucas as greves que sob a ótica dos trabalhadores apresentam resultados inesperados, com prejuízos até para terceiros não envolvidos diretamente.
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, alterou o art. 114 da Constituição Federal e em seu § 2º fez constar a necessidade de comum acordo para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica, ou seja, quando frustrada a negociação coletiva voluntária entre Sindicatos de trabalhadores e Sindicato patronal ou entre Sindicato e Empresa específica, para que o Sindicato de Trabalhadores pudesse suscitar o dissídio coletivo deveria obter o comum acordo da parte contrária. Resumindo: aquele empregador que não quis negociar voluntariamente teria que autorizar expressamente para que o Sindicato pudesse ajuizar o dissidio perante o Tribunal. Na prática, frustrada a negociação coletiva de trabalho para renovar acordo ou convenção coletiva na data-base, se o sindicato não lograr êxito na negociação e não obtiver o comum acordo do empregador para o ajuizamento do dissídio, a categoria ficará sem norma coletiva, pois a ultratividade foi proibida com a Reforma Trabalhista, conforme agora prevê o art. 614, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Se o Sindicato insiste no dissídio junto ao Tribunal sem o comum acordo (exigência do § 2º do art. 114 da CF) do empregador, o processo é extinto sem apreciação do mérito.
Antes da Emenda Constitucional nº 45 o caminho natural a seguir pelos Sindicatos quando frustrada a negociação coletiva era suscitar o denominado dissídio coletivo para que o Tribunal apreciasse o aspecto formal do processo, bem como seu objeto (cláusulas econômicas e sociais) e então decidisse publicando uma sentença normativa que seria aplicada às partes envolvidas, pondo fim ao conflito.
A EC nº 45 acabou por desequilibrar uma das partes na negociação coletiva e esse tema foi levado ao plenário do Supremo Tribunal Federal, que na noite do dia 28 /05/2020, quinta-feira, em sessão virtual, decidiu ser constitucional a exigência de “mútuo acordo” para o ajuizamento de dissídio coletivo prevista no art. 114, §2º, da Constituição Federal (CF), pois não impede o acesso ao Poder Judiciário, tratando-se apenas da condição da ação. (ADIs nº ADIs 3.392, 3.223, 3.431, 3.432 e 3.520)
Essa decisão da Corte Maior tão somente veio, mais uma vez incentivar a deflagração de greve dos trabalhadores quando frustrada a negociação coletiva e o sindicato não obtiver o comum acordo, pois esse é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho – TST, consolidado em sua jurisprudência, que é parâmetro para vários outros Tribunais Regionais do Trabalho, a saber:
“Ementa – DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. FALTA DE COMUM ACORDO. A jurisprudência desta Corte é firme ao estabelecer que apenas nos dissídios coletivos econômicos, instaurados sem greve deve ser observado o pressuposto processual do comum acordo, fixado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, no § 2º do art. 114 da Constituição Federal. ” (TST – RECURSO ORDINÁRIO RO 2027900302009502 2027900-30.2009.5.02.0000)
Verifica-se um estrondoso descompasso, pois os Tribunais buscam a pacificação social, incluídas aí a paz nas relações de trabalho. Ao decidir com esse fundamento o Supremo Tribunal Federal quase que obriga os trabalhadores a iniciarem um movimento grevista quando malogradas as negociações, tão somente para que o Sindicato possa preencher um pressuposto que possibilite a tramitação processual de um dissídio coletivo, quando não obtido o comum acordo do empregador.
O entendimento dos E. Ministros do STF instigou a greve por motivação processual, o que nos parece bastante inadequado pois acrescenta mais um motivo dentre outros já existente e autorizados por lei para o início de um movimento grevista.
É complexo o contexto que se espera pós COVID-19, tornando-se necessária a busca de outros caminhos menos espinhosos para a sociedade como um todo e para o Brasil, pois será cena comum e estranha advogados indo a assembleias para convencer trabalhadores que precisariam iniciar movimento grevista para ter o seu dissídio coletivo julgado pelo Tribunal, sob pena de ficarem sem norma coletiva para reger a correspondente relação de trabalho da categoria envolvida. Decisão judicial não se discute, se cumpre, então, que venham as greves.
Cesar Augusto de Mello,
consultor jurídico da Força Sindical, CNTQ, FEQUIMFAR, SindirefSP, Sinprescamp e SindiLuta