A hora do pluralismo sindical

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É justo que os sindicatos sejam recompensados quando atuam em favor dos trabalhadores. Mas os trabalhadores devem ter o direito de escolher quem atuará por eles e negociar a recompensa

O governo prepara uma proposta de lei para instaurar uma contribuição obrigatória dos trabalhadores aos sindicatos. Segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não se trata de exumar o imposto sindical extinto pela reforma de 2017, mas de contribuições vinculadas a reajustes salariais intermediados pelos sindicatos. É uma espécie de taxa de sucesso.

“Uma democracia precisa ter um sindicato forte”, justificou Marinho a O Globo. Sem dúvida. O problema é o que se entende por “sindicato forte” quando se trata de estabelecer relações equilibradas entre empregados e empregadores. Sindicato forte não é sindicato balofo, mas sim representativo, ou seja, que trabalhe pelos interesses dos trabalhadores. O padrão no Brasil nunca foi esse e nada indica que a proposta o retificará – ao contrário.

O modelo nacional foi fabricado pela ditadura Vargas para arregimentar as lideranças sindicais. Criou-se então o imposto obrigando os trabalhadores a dar o equivalente a um dia de trabalho ao ano para os cofres sindicais. Além disso, instaurou-se a “unicidade”: a permissão de apenas um sindicato por categoria para cada região. Com fluxos garantidos de dinheiro tomado pelo Estado dos bolsos dos trabalhadores, as elites sindicais deram as costas a eles e se atrelaram ao poder estatal. Daí o termo “pelego” – a pele de carneiro entre a sela e a cavalgadura – para os sindicalistas que amaciavam o lombo dos trabalhadores enquanto as oligarquias apertavam seu cabresto.

O PT e seu braço sindical, a CUT, surgiram na atmosfera do “novo sindicalismo”, que contestava o “peleguismo” e defendia a liberdade de filiação, a autonomia de organização, a livre negociação entre patrões e empregados e o fim do imposto sindical. Mas a Constituição de 88 acolheu o entulho autoritário varguista, que foi abraçado pelo PT tão logo subiu ao poder. “As centrais sindicais, tornadas correias de transmissão do ‘Estado lulista’”, disse neste jornal José Antonio Segatto, “passaram a confraternizar no Ministério do Trabalho, repartindo poderes e verbas, abocanhando 10% do imposto sindical e gerindo recursos do FAT, do FGTS, de fundos de pensão, etc.”

A reforma pôs fim à fonte principal da esbórnia, o imposto, e os sindicatos passaram a depender de contribuições voluntárias de seus associados. Ocorre que as negociações têm custos, e os benefícios negociados valem para todos os trabalhadores de suas categorias. Por isso, na maior parte das democracias, admitem-se contribuições obrigatórias condicionadas a esses benefícios. A proposta do governo emularia esse modelo.

Mas essa é só uma meia-verdade. A verdade inteira é que nos outros países os trabalhadores podem formar quantos sindicatos quiserem. Esses sindicatos competem para arregimentar afiliados, oferecendo melhores serviços a menores custos, incluindo o das contribuições. É o sindicato mais representativo que assume as negociações coletivas, e o destino da contribuição compulsória (acordada por afiliados e não afiliados) é limitado ao custeio delas. A aferição da representatividade é regulamentada e periódica, e o sindicato que deixa de ser representativo deixa de ser o negociador e perde a contribuição.

Mas no Brasil vigora, por disposição constitucional, o monopólio dos sindicatos estabelecidos e sua discricionariedade para empregar as contribuições – inclusive em campanhas partidárias ou para enriquecer seus líderes. É a essas entidades que o Ministério do Trabalho quer garantir o “direito” de tomar do trabalhador até 1% de sua renda anual, ou seja, quatro vezes mais que o famigerado imposto sindical.

Como disse à CNN o especialista em relações trabalhistas e colunista do Estadão José Pastore, se a Constituição for alterada para se instaurar a pluralidade sindical e a fiscalização dos recursos, a proposta de contribuição pode ser uma “excelente solução”. Mas, se for mantido “um sistema de monopólio que não pode ser controlado nos seus abusos”, será “um retumbante fracasso e retrocesso”. Não há notícia de que o governo pretenda mexer nesse monopólio. Se for assim, que o Congresso atue para evitar retrocessos.

Fonte: Estado de S. Paulo

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