Com divisão, vamos pavimentar o caminho da derrota

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Por Zé Dirceu

Não dá para deixar de escrever sobre eleições, mas, contrariando a toada da grande mídia que diz que o PT e Bolsonaro foram derrotados, os dois extremos, os radicais, a realidade é outra. Primeiro porque o PT é o que sempre foi, um partido de esquerda, socialista, que nos governos e no Parlamento, na luta democrática e social, sempre se aliou e constituiu governos e lutas de centro-esquerda. Segundo porque, se é verdade que Bolsonaro não elegeu, de maneira geral, seus candidatos, também é verdade que os partidos que apoiam seu extremismo autoritário, obscurantista e fundamentalista cresceram e muito. Quem dominou o resultado foram os partidos de centro-direita: PSDB e MDB, que perderam muito mas continuam grandes, e o DEM que se recuperou.

O chamado centrão, com destaque para o PSD, PP e PL, cresceu, apoiado na máquina e no dinheiro. Todos, com raras exceções, fizeram uso do arsenal de fakes news, obscurantismo religioso e baixaria do bolsonarismo, principalmente contra o PT. É bom sempre lembrar o derrame de recursos, caixa dois, compra de voto de forma nunca vista com o DNA das emendas impositivas. Nossa esquerda teve altos e baixos. O PT se manteve e retomou a iniciativa, saiu às ruas, expôs sua cara e identidade e lutou bravamente, principalmente sua militância. Fez o que pode depois de anos submetido à uma verdadeira guerra de cerco e aniquilamento. O PSB perdeu, apesar da vitória em Recife; o PDT também encolheu, mas registrou a vitória em Fortaleza. O PCdoB continua sua luta para superar a cláusula de barreira.

Uma das novidades dessa eleição municipal, ao lado do fim da proporcionalidade e da tragédia da pandemia que não deve ser subestimada na avaliação eleitoral, foi o fim dos programas partidários, o exíguo e controlado tempo de TV e rádio. Na prática, o fim dos debates, que prejudicou muito o PT e a esquerda, submetidos a uma censura implacável na grande mídia, leia-se Rede Globo.

Rejeição a Bolsonaro

Uma leitura com olhar nas pesquisas – e não apenas no resultado eleitoral – nos mostra que a rejeição e a reprovação de Bolsonaro cresceram no país, principalmente nas capitais, com as exceções de sempre. Os resultados das  eleições apontam para sua possível derrota em 2022 num segundo turno e não para sua vitória, desde que a centro-direita não o apoie. Ainda que Bolsonaro se filie a um partido do centrão não é impossível derrotá-lo, se as esquerdas, mesmo com vários candidatos no primeiro turno, se unirem. Sempre há o risco de um segundo turno entre o bolsonarismo e os liberais de direita. Mas se Bolsonaro vai ao segundo turno com a esquerda e ela se une, venceremos, não repetindo 2018 quando Ciro-PDT se omitiram. No cenário de união das esquerda e centro-esquerda é bastante improvável que o povo dê um segundo mandato ao bolsonarismo.

Olhando os dados, salta à vista que o país não é conservador, como dizem muitas das avaliações publicadas. O povo aposta no progresso e na justiça social. Tanto é assim que mesmo a centro-direita teve que incorporar, em seu discurso, a questão social social e defender a política e a democracia. Ainda que possa ser uma defesa apenas retórica.

Mesmo sem desconhecer a força do conservadorismo e do fundamentalismo religioso que elegeram Bolsonaro em 2018, o fato é que a anti-política e sua criminalização ficaram para trás. Há sinais claros de que o próximo ano definirá o que vai acontecer em 2022 e que o governo federal, como está hoje, inviabiliza a reeleição do presidente.

Assim, a atuação do PT e da esquerda na oposição – e sua necessária e urgente reorganização partidária, renovação e auto-reforma tanto na atuação no Parlamento quanto na mobilização popular — ditarão as possibilidades de um segundo turno com a presença de um candidato de centro-esquerda. Não há caminho para o Planalto sem o PT e Lula, e sua candidatura só depende do fim da iníqua, injusta e ilegal proscrição. Não se pode exigir de Lula e do PT que não lancem candidato, alternativa da qual outros partidos da centro-esquerda não imaginam abrir mão. Num segundo turno, a união das esquerdas, como ocorreu agora em algumas capitais capitais no primeiro ou segundo turnos, fará a diferença entre a vitória e a derrota.

É um dever não apenas do PT e das esquerdas, mas de todos os democratas exigirem que o STF coloque na pauta e julgue a suspeição de Sergio Moro e anule as condenações de Lula, restituindo seus legítimos direitos políticos.

Se é verdade que o resultado das eleições municipais não pode ser tomado como indicativo de 2022, também é verdade que delineia tendências. Uma delas é que a maioria do país se manifestou contra o que representa o bolsonarismo, que a agenda social progressista se imporá em 2022 e que o balanço dos anos do bolsonarismo será repudiado, incluindo aí o credo neoliberal e o desmonte do Estado nacional e de bem estar social.

Nada indica, em nível mundial, que a avalanche conservadora e neoliberal sobreviverá à crise da pandemia e à crise social e política que se avizinha no próximo ano. Os sinais ficaram nas eleições na Argentina, na Bolívia e mesmo no Brasil e na resistência popular no Chile, no Equador e na Colômbia, na derrota de Trump nos Estados Unidos e na nova correlação de forças em nível mundial com a emergência da China, da Rússia, da China, da Índia, daTurquia e do Irã.

União das esquerdas

Há um esforço midiático e de disputa da opinião pública para, de novo, enterrar o PT e inviabilizar a necessária unidade das esquerdas na oposição a Bolsonaro e na construção de uma alternativa viável em 2022. Isso impõe às esquerdas o difícil desafio de combater em duas frentes: na oposição radical a Bolsonaro e na sua auto-reforma e renovação, sem o que poderão ser superadas pela centro-direita. Esta, apoiadora do programa radical liberal de Guedes-Bolsonaro, mas preparada – ainda busca um nome — para disputar e conquistar o Planalto.

Se queremos conquistar o coração dos brasileiros, precisamos ouvir o recado das urnas das últimas eleições municipais. As esquerdas precisam se unir em torno de um programa – o que não será tarefa difícil, pois vários partidos, incluindo o PT, têm formulações muito discutidas e avançadas. E precisam, sobretudo, traduzir para a população um projeto de sonho e esperança que começa pela sua unidade generosa e renovadora construída em Porto Alegre, Florianópolis e Belém e, no segundo turno, em São Paulo em torno de Boulos. Somente uma frente de esquerda unida e combativa poderá reunir em torno de seu candidato setores democráticos e das classes médias anti-bolsonaristas.

Não podemos nos iludir. Se nos dividirmos de forma sectária e praticarmos a intolerância, vamos pavimentar seguramente o caminho para a derrota. Cabe a nós dar o exemplo para superar o ódio e a intolerância que tomou conta da política e do país, infelizmente replicados por partidos da centro-direita. Não haverá saída nem salvação sem a unidade das forças de esquerda, unificando os setores democráticos, progressistas e nacionalistas. Só assim poderemos atender aos anseios do povo trabalhador e dos marginalizados do nosso Brasil.

Zé Dirceu, Ex-deputado federal e ex-presidente do PT

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