NOTA: O capital estrangeiro e a ineficácia da política internacional para o setor do álcool

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Conforme série histórica disponibilizada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), a indústria alcooleira nunca havia registrado um saldo negativo em sua balança comercial, contrariando até então o déficit estrutural do comércio exterior que caracteriza a indústria de transformação brasileira. Em 2017, lamentavelmente a fabricação de etanol inverteu esta trajetória e se juntou aos demais segmentos da indústria com um déficit de 445 milhões de litros, o equivalente a US$ 91 milhões.

A determinação de preços do etanol brasileiro está vinculada a uma série de fatores, tais como, a competitividade em relação ao preço da gasolina, ao preço do etanol norte-americano e ao preço do açúcar internacional, que impacta no mix de produção escolhido pelas usinas brasileiras. Há ainda de se considerar os impactos do clima preponderante em cada safra sobre a qualidade da cana-de-açúcar em termos de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) e seus desdobramentos sobre a capacidade de fabricação do produto final.

Que pesem todos estes elementos, segundo a Unica (União da Indústria Canavieira), em 2017 o etanol importado dos EUA estava com preço inferior ao custo da cabotagem para transporte e distribuição da produção da safra Centro-Sul. Ocorre que outros fatores “menos justificáveis” explicam o crescimento das importações de etanol. Alguns grupos econômicos que possuem empresas atuando em todas as pontas do negócio de combustíveis, tal como a joint venture Raízen – controlada pela Cosan e pela Shell – identificaram no início de 2017 uma oportunidade de lucro fácil importando biocombustível barato dos EUA quando os preços brasileiros subiam e os estoques recuavam.

O resultado foi oposto ao esperado, havendo um excesso de oferta do produto no Brasil e uma queda acentuada no preço do etanol, que, por fim, desencadeou a reivindicação das usinas para que o governo estabelecesse impostos à importação. Em setembro de 2017, a CAMEX (Câmara de Comércio Exterior) determinou que a importação isenta de impostos estaria restrita a uma cota de 600 milhões de litros por ano, durante dois anos. Ultrapassado este limite haverá incidência de 20% sobre as compras internacionais de etanol.

Além de assegurar uma ampla margem para que as importadoras continuem suas atividades de arbitragem, a medida vem desacompanhada de qualquer política econômica planejada para o setor. A concentração produtiva se amplia vastamente a cada ano, com a desativação de usinas familiares ou pela incorporação destas pelos grandes grupos econômicos do setor. Amplia-se assim a sujeição da soberania nacional ao capital estrangeiro em um mercado estratégico ao desenvolvimento nacional.

A inversão no saldo da balança comercial consiste ainda de elemento agravante da geração de emprego no setor. No Brasil, a movimentação de trabalhadores formais empregados unicamente na fabricação do álcool e de biocombustíveis – excluídos, portanto, aqueles no cultivo da cana-de-açúcar e na fabricação de açúcar em bruto e refinado – mensurada pelo CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho), acumula expressivo saldo negativo com o encerramento de 24 mil postos de trabalho somente nos últimos quatro anos (2014-2017).

A equação é simples. Déficit na balança comercial indica a existência de produtos que poderiam ser fabricados no Brasil, produzidos por trabalhadores brasileiros, elevando o nível de emprego e renda da economia nacional, mas estão sendo produzidos em outros países. Pelas razões elencadas, compete às entidades sindicais representativas dos trabalhadores no setor intensificarem os esforços de proteção da indústria sucroalcooleira brasileira, bem como pela elaboração de uma política econômica estratégica e planejada, que não deixe o setor refém das intempéries do capital estrangeiro descompromissado com a geração de emprego e renda no Brasil.

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