O lucro do capital é pago com a saúde e vida da classe trabalhadora

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De quem é o ônus?

O presidente empossado Jair Bolsonaro anunciou por meio de rede social que executará mudanças nas Normas Regulamentadoras, também conhecidas como NRs, que regulamentam e fornecem orientações sobre procedimentos obrigatórios relacionados à segurança e Saúde do Trabalhador. Essas normas são citadas no Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Com o argumento de “simplificar as regras e melhorar a produtividade”, a proposta é reduzir em 90% as normas vigentes para “modernizar as normas de saúde, simplificando, desburocratizando, dando agilidade ao processo de utilização de maquinários, atendimento à população e geração de empregos”.

Em consonância, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, alegou para a imprensa que as mudanças começam a ser realizadas no mês que vem, pela NR 12, com a participação tripartite de representantes da União, dos empregadores e dos trabalhadores. A posteriori serão tratadas ainda este ano as NRs 1, 2, 3, 9, 15, 17, 24 e 28.

A Norma Regulamentadora Nº 12 define referências técnicas, princípios fundamentais e medidas de proteção visando garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores. Dentro dos métodos de controle adotados para garantir a segurança no trabalho estão, a definição de protocolos e fluxos de trabalho em todas as fases de operação e manutenção de máquinas, treinamento documentado de todos os trabalhadores, e a projeção e instalação de sistemas de segurança, os quais compreendem proteções físicas fixas e móveis, dispositivos de monitoramento, circuitos de acionamento e dispositivos mecânicos, todos instalados de forma monitorada por interface de segurança certificada conforme a categoria de risco avaliada.

Conforme o primeiro item citado na NR-12, a mesma se aplica a todas as atividades econômicas, ou seja, toda e qualquer empresa que possua equipamentos ou fluxos de trabalhos que apresentem riscos aos trabalhadores devem tomar as medidas cabíveis para garantir a saúde e a integridade do mesmo.

Na NR-12, são consideradas medidas de proteção a ser adotadas na ordem de prioridade apresentada abaixo:

a) Medidas de proteção coletiva;
b) Medidas administrativas ou de organização de trabalho;
c) Medidas de proteção individual.

Um sistema é considerado seguro quando o mesmo é projetado com a incorporação de dispositivos de segurança eficazes contra a ocorrência de falha técnica ou falha humana, garantindo a parada segura e a estabilização imediata do mesmo. E é considerado inseguro quando o mesmo é projetado com a incorporação de medidas de segurança que dependem exclusivamente do comportamento do indivíduo.

Nenhum sistema, por mais que possua todos os dispositivos de segurança possíveis instalados, garantirá total segurança se não houver uma política interna na empresa que vise à Saúde do Trabalhador. Para tal, deve-se oferecer treinamento periódico documentado para os trabalhadores, apresentando todos os procedimentos de trabalho interno, bem como os riscos envolvidos e as ações a serem tomadas em todas as situações. Também se deve adotar a política de manutenção preventiva e check-list diário, preservando assim a integridade de todos os sistemas e diminuindo a probabilidade de falhas técnicas. Não obstante, deve-se adotar fluxos de trabalho e protocolos para documentar os procedimentos realizados pelo operador e/ou pelo mantenedor, mantendo assim um histórico da utilização de todos os sistemas da empresa.

As medidas de proteção individual resumem-se praticamente em três itens: duração da jornada de trabalho, tempo de exposição a fatores de risco e utilização de equipamentos de proteção individual, os EPI’s. Tais itens devem ser definidos no PPRA e PCMSO da empresa (a definição destes documentos pode ser incluída como medida administrativa perante a NR-12). Funções que exigem exposição direta a agentes físicos, químicos e/ou biológicos, podendo acarretar danos à saúde, devem ter sua jornada de trabalho reduzida conforme definido no PPRA, e os profissionais que exercem estas funções devem realizar exames periódicos conforme definido no PCMSO. Além disso, nos setores onde existem estes tipos de exposições, há outros fatores de risco, que são imprescindíveis a utilização de EPI’s, conforme definido no PPRA.

Os Empregadores questionam a aplicabilidade da NR nº 12 quanto ao excesso de exigências e quanto ao custo excessivo calculado pela CNI em 100 bilhões de Reais gastos para adaptação das novas regras.

A reivindicação do setor privado tem um pleito claro e bilionário: modificar as mais recentes alterações feitas nas regras de segurança de equipamentos e máquinas usadas no país ao alegar custos estimados em 100bi para a adaptação de novas regras.

Reduzir as exigências implicaria em expor os trabalhadores a riscos ora combatidos, representando igual retrocesso no âmbito da segurança e da saúde dos trabalhadores brasileiros que lidam, diariamente, com máquinas e equipamentos capazes de provocar mutilações e mortes.

No Brasil, desde 1970, quando começam os registros sistemáticos em âmbito nacional, mais de 35 milhões de acidentes foram notificados, registrando-se para além de 100 mil óbitos entre trabalhadores jovens e produtivos.

De 2012 a 2018, com os dados do Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, que abarca dados do Anuário Estatístico de Acidente de Trabalho da Previdência Social, referente a trabalhadores formais, máquinas e equipamentos causaram 2.058 mortes, praticamente uma morte por dia de trabalhadores no Brasil, tivemos também 25.790 amputações causadas por máquinas e 528.473 acidentes, no qual o custo calculado é de R$ 732 milhões com aposentadorias e pensões que foram concedidas depois de acidentes com máquina. Ratificamos que o custo imaterial, desse genocídio populacional é incalculável!

O argumento de “modernização” e geração de empregos é insustentável e não leva em consideração as particularidades da formação sócio histórica do país, situado como periférico e dependente na mundialização do capital, o último do mundo a abolir o sistema escravagista, que manteve a mesma lógica de subserviência da classe trabalhadora ao capital e ao lucro desenfreado, o que ocasiona uma das piores distribuição de renda do mundo. Atrelado à essas breves considerações, temos uma Seguridade Social inconclusa, que completou apenas 30 anos de forma extremamente fragilizada.

O cenário de desmantelamento das incipientes proteções sociais, conquistadas duramente pela classe trabalhadora neste jovem período democrático, representa acabar com possibilidades de existência e resistência dos trabalhadores para a reprodução social no Brasil.

Portanto, a conjuntura é de luta de classes clara e escancarada! As práticas conciliatórias atingiram o limite. É necessário considerar de forma concreta a existência do conflito entre capital versus trabalho e urge barrarmos essas práticas políticas, mascaradas com argumentos frágeis, que atendam apenas a mais lucros do capital, desconsiderando um projeto de sociedade e a Saúde do Trabalhador.

O ônus será a saúde e a vida da classe trabalhadora e o risco de não haver mais condições materiais e objetivas! O que significa sermos dizimados em pouco tempo.

João Donizete Scaboli, Diretor FEQUIMFAR, Vice Presidente Estadual do DIESAT, Secretário Adjunto de Segurança e Saúde do Trabalho da Força Sindical, Conselheiro Nacional de Saúde

Eduardo Bonfim da Silva, Coordenador Técnico do DIESAT

Daniele Correia, Técnica do DIESAT

Rogério de Jesus Santos, Técnico do DIESAT

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