A contribuição assistencial e os oportunistas de plantão

0
568

Julgamento no STF aguçou a fúria arrecadatória de algumas entidades – atitude afoita e desarrazoada. É preciso ter cautela e responsabilidade ao tratar do tema

Por César Augusto de Mello

O custeio sindical tem sido um tema frequente na imprensa e nas mídias sociais, depois que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram o ARE 1018459 ED, em que se discute a constitucionalidade da chamada contribuição assistencial.

Em 2014, quando ainda existia a contribuição sindical compulsória descontada de cada trabalhador, no importe de 1/30 da remuneração dos meses de março de cada ano e recolhida aos cofres sindicais, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fez bem em editar o Precedente Normativo n.º 119, sobre as contribuições, com o seguinte teor: “A Constituição da República, em seus artigos 5.º, XX, e 8.º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados”.

Pouco tempo depois, em 2015, na mesma esteira de entendimento do TST, o STF publicou a súmula vinculante n.º 40, dispondo que “a contribuição confederativa de que trata o art. 8.º, IV, da Constituição federal só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.

Dessa forma fechavam-se as portas para a arrecadação sindical segura por meio de outra fonte que não fosse a então vigente contribuição sindical.

Entretanto, em 2017 entrou em vigor a abrangente reforma trabalhista, que também alterou algumas regras quanto à organização sindical brasileira, e, entre elas, determinou o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical prevista no art. 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Desse modo, após a reforma trabalhista, abruptamente a arrecadação sindical passou a ser menor a cada ano. Em 2017 (último ano do pagamento obrigatório), a arrecadação foi de R$ 3,05 bilhões, enquanto em 2020 foram arrecadados R$ 76,8 milhões e, em 2021, o valor caiu para R$ 65,5 milhões (montante 97,5% menor do que em 2017). As entidades sindicais patronais também tiveram queda na arrecadação, no importe de 94%, passando de R$ 812,7 milhões, em 2017, para R$ 44,05 milhões, em 2021 (conforme dados do Ministério do Trabalho).

Neste cenário, com a impossibilidade de implementação do custeio sindical por decisão assemblear em razão da jurisprudência das Cortes Superiores e o fim da contribuição sindical obrigatória promovido pela reforma trabalhista, houve uma evidente asfixia financeira das entidades sindicais.

Ocorre que uma ação em trâmite desde 2012 no Judiciário trabalhista – em que se pede a declaração de constitucionalidade da contribuição assistencial prevista no art. 513, e da CLT – chegou ao STF (ARE 1018459) e o ministro Luís Roberto Barroso alterou o curso do rio que corria no sentido da jurisprudência supracitada.

Em seu voto, que foi acompanhado por 10 dos 11 ministros, Barroso argumentou que, “com a alteração legislativa, os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio. Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa”, concluindo que, “portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento”.

Ocorre que a audiência de julgamento virtual no STF, encerrada em 11/9/2023, aguçou a fúria arrecadatória de algumas entidades, que, de plano, insinuaram a possibilidade de uma cobrança retroativa e a estipulação de valores exorbitantes quanto à contribuição. Ato contínuo, por meio de um Termo de Autorregulação tornado público em 28/9/2023, as centrais sindicais se posicionaram no sentido de coibir essas eventuais atitudes afoitas e desarrazoadas, alertando os seus filiados sobre a cautela e a responsabilidade que deverão ter ao tratar do tema.

Um dos casos que chegou à Central Força Sindical, e nos parece até algo relacionado a crime, é que enviam boletos e ameaçam a negativação do nome do trabalhador, além de exigirem pagamentos via PIX. Nestes casos, é necessária uma apuração para verificar o que está por trás disso tudo e responsabilizar os culpados.

É bem verdade que tais casos são exceções, mas o estrago é sempre grande, pois esse tipo de notícia se propaga nas mídias sociais em progressão geométrica, enquanto os esclarecimentos corretos seguem em progressão aritmética. O fato é que as entidades sindicais, com base nesta nova decisão do STF, deverão adotar procedimentos democráticos para incentivar a participação dos trabalhadores nas assembleias estendidas, que serão o fórum adequado, enquanto órgão soberano das entidades sindicais para a discussão do custeio sindical.

Assim, os sindicatos omissos quanto à negociação coletiva e que não tenham nada para oferecer em termos de reajustes e conquistas aos seus representados dificilmente conseguirão aprovar qualquer tipo de contribuição, se depender da vontade desses trabalhadores desamparados; mas aquele sindicato comprometido e atuante terá subsídios para permanecer negociando condições mais favoráveis para toda a categoria, incluídos aí os não sindicalizados.

César Augusto de Mello é consultor jurídico da Força Sindical e FEQUIMFAR

Publicado em Estadão, Opinião, Espaço Aberto (18/10/2023)

Deixe uma resposta